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REVISTA DA ARMADA | 551


           É, já enfermo e nos úlƟ mos dias de vida, que recebe a noơ cia da   A ACÇÃO ESTRATÉGICA
         referida nomeação, por D. João III, para um novo mandato, boa nova
         só chegada a Goa a 22 de Maio de 1548, sem tempo, contudo, para   D. João de Castro iniciou a sua governação na Índia indagando
         fruir das honras e privilégios do seu elevado ơ tulo e que sempre   sobre o estado do arsenal e da ribeira de Goa, bem como da frota aí
         recusou em proveito dos seus homens. Viria a falecer menos de um   estacionada, para concluir rapidamente do seu previsível “defi nha-
         mês depois, ao sexto dia do mês seguinte, com a consciência plena   mento”, decidindo, como primeiras e ingentes medidas, a reforma
         do fi m perto, como o atesta uma úlƟ ma das suas numerosas mis-  da armada, a recuperação do arsenal militar, o reforço dos sistemas
         sivas remeƟ das para Lisboa, ao alertar o monarca português: “Eu   defensivos das fortalezas do EPI, o aprovisionamento dos armazéns,
         confesso a Vossa Alteza que não sou já o que par   de Portugal e me   e ainda o que hoje chamamos de planeamento e treino operacional.
         vou enchendo de ferrugem e apodrecendo como as armas dos seus   Em relação ao recrutamento da soldadesca, usou o expediente do
         armazéns (…) que os trabalhos da Índia me têm gastado as carnes e   lançamento de pregão em Goa, com promessa de vencimento de
         os cuidados e sobressaltos de tantas e tão desvairadas cousas moído   soldo para quem quisesse assentar praça – o que lhe permiƟ u reunir
         os ossos e o mau viver dos homens danado a alma”.    algumas centenas de homens a cavalo – a que juntou um grande
           Estava certo no autodiagnósƟ co e avaliação clínica, escolhendo   número de peões, numa acção própria de um grande estratego e
         passar os úlƟ mos momentos, por vontade e hábito, na companhia   operacional, levando a cabo uma políƟ ca de sistemáƟ ca integração
         de Francisco Xavier (1506-1552), apóstolo do Oriente e, mais tarde,   de tropas locais no seio das estruturas militares portuguesas.
         canonizado. Foi sepultado na capela-mor do convento de S. Fran-  Nesse desempenho, defrontou amiúde os “vícios” de histórico
         cisco, com o hábito e insígnias de cavaleiro da ordem de Cristo; em   alheamento do governo central (Terreiro do Paço), a condicionar
         1576, os seus restos mortais foram trasladados para o convento de   muitos dos seus projectos reformadores e diminuƟ vo do alcance
         S. Domingos, de Lisboa, e depois de celebradas pomposas exéquias,   da vitória militar de Diu, em virtude dos enormes problemas de
         transferidos para a capela parƟ cular dos Castros, junto à Sala do   liquidez fi nanceira daí derivados… ainda mal contava as vantagens
         Capítulo do claustro desse convento.                 decorrentes da sua vitória em Diu, já estalavam moƟ ns por atrasos
           Viria a ser o seu avô a tomar nas próprias mãos o agradecimento   de pagamento de soldo e manƟ mento à revoltada soldadesca.
         e a homenagem que lhe eram devidos pela Nação e que outros, em   Apesar de tudo, uma questão persiste com toda a perƟ nência:
         seu devido tempo, nunca fi zeram, pelos relevanơ ssimos e inolvidá-  como foi possível tamanha superioridade portuguesa por terras
         veis serviços por si prestados a Portugal . Foi pela pessoa do Inqui-  do fi m do mundo? De forma superfi cial e breve, ensaiamos uma
         sidor Geral do Reino, D. Fernando de Castro, que em boa hora se   resposta.
         empreendeu a edifi cação da Capela dos Castros, onde repousam os   O português surgiu no Índico com efecƟ va superioridade militar
         restos mortais do eminente 4.º Vice-Rei da Índia, numa homenagem   e tácƟ ca. O turco empenhava-se na guerra naval com galés que
         bem merecida, porque servidor magno sem cuidar, alguma vez, de   praƟ cavam a abordagem directa do inimigo e usavam uma arƟ -
         recompensa.                                          lharia mínima e na coberta. Os portugueses dispunham de navios













































         In Primeiro roteiro da costa da India desde Goa ate Dio: narrando a viagem que fez o Vice-Rei D.Garcia de Noronha em socorro d’esta ul  ma cidade 1538-1539.


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