Page 16 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 551


         com maior facilidade de manobra
         em mar aberto e arƟ lhados de ferro
         e bronze; eram, portanto, mais
         poderosos na arƟ lharia (bombardas
         grossas) e praƟ cavam o Ɵ ro rasante
         a parƟ r da amurada da embarcação
         ou Ɵ ro de ricochete naval, mais efi -
         caz no propósito de afundamento
         das embarcações inimigas. Porém,
         nos mares Vermelho e Pérsico, a galé
         tornava-se o navio mais efi caz, o que
         por si só, explica a difi culdade  de
         imposição da presença portuguesa
         nesses espaços.
           O aumento e controlo da terra,
         das praças-fortes ao longo do litoral
         e do  hinterland a elas submeƟ das
         (estrategicamente, D. Francisco de
         Almeida esteve bem na consolida-
         ção dessas posições), visou, numa
         primeira fase, a sobrevivência e esta-  Capela de Corpus ChrisƟ  e pormenor do arcosólio de D. João de Castro, consƟ -
         belecimento do EPI. Passados alguns   tuído por uma urna de mármore piramidal, assente sobre um par de elefantes
         anos, esta estratégia evoluiu para o   também em mármore, apresentando muitas semelhanças com os túmulos reais
         controlo do mar visando a liberdade   no Mosteiro dos Jerónimos.
         das rotas comerciais, contando para
         o efeito com o apoio de algumas bases em terra defendidas por   exemplar governança como 13º Governador, por sugestão do seu
         fortalezas.                                          grande amigo, o Infante D. Luís, junto do irmão, o Rei D. João III.
           Estas duas estratégias nunca foram antagónicas, antes subsidiá-  Não obstante os sucessos alcançados no Oriente, facto é que
         rias uma da outra, com o poderio naval que visava o controlo   D. João de Castro aí viveu sempre na expectaƟ va de voltar, sau-
         do Índico e a defesa de costa, através do controlo dos portos   doso da sua Sintra, mas que o agravamento do seu estado de
         mercanƟ s (Goa e Diu, entre outros), ambas concorrendo para o   saúde impediu. Viria a falecer em Goa, como sempre vivera, em
         desenvolvimento da arquitetura militar e o estabelecimento de   esforços valorosos por dedicação ao rei e à sua Pátria… bem ser-
         fundições e fundidores. Isso acabou por ditar a supremacia por-  vindo, sem cuidar de recompensa.
         tuguesa durante a 1ª metade do século XVI. As nossas bombardas   Um úlƟ mo desabafo que é, ao mesmo tempo, uma senƟ da home-
         acabariam por despertar para uma nova realidade os indianos,   nagem. O seu percurso é um exemplo magistral da salvaguarda
         chineses e japoneses, gente até aí exígua de tais bocas-de-fogo   das mais altas virtudes militares, da entrega pessoal ao serviço da
         em bronze e que, por isso, mal escondiam a curiosidade por um   Nação e do interesse nacional e da perseverança do invesƟ gador
         povo que dispunha de armamento de superior qualidade.   cienơ fi co – rigoroso e metódico – na procura do conhecimento,
           Em resumo, cumpria-se a postulado estratégico do nosso Padre   em prol de um mundo mais culto e esclarecido. Sim, porque ele
         Fernando de Oliveira (1507-1581), que recomendava na sua obra   foi um emérito militar, estadista, navegador e cartógrafo, acima de
         Arte da Guerra no Mar: “… Tomar as terras, empedir a franqueza   tudo um humanista em antecipação ao seu tempo.
         dellas, caƟ var as pessoas daquelles que não blasfemão de Jesus   Que melhor prova de uma vida de indelével exemplaridade, do
         Crristo, nem resistem aa pregação da sua fee, quãdo com modésƟ a   que o conteúdo desta carta enviada ao Rei, nas vésperas da sua
         lha pregão … o mar (que) é muito devasso (daí a necessidade de) …   morte, apenas aconchegado pela companhia do seu amigo jesuíta,
         haver armadas no mar …”.                             São Francisco Xavier:
                                                               “Não terei, senhores, pejo de vos dizer, que ao vice-rei da Índia
         NOTAS FINAIS                                         faltam nesta doença as comodidades que acham nos hospitais o
                                                              mais pobre soldado. Vim a servir, não vim a comerciar ao Oriente;
           Os portugueses foram o primeiro povo europeu a instalar-se na   a vós mesmo quis empenhar os ossos do meu fi lho, e empenhei
         Índia, não sem a hosƟ lidade por parte de vários reinos indianos   os cabelos da barba, porque para vos assegurar, não Ɵ nha outras
         e de outros potentados, ofi cializando o seu domínio, forƟ fi cando   tapeçarias nem baixelas. Hoje não houve nesta casa dinheiro,
         as feitorias e criando um estado soberano (Goa, 1512). Esses ter-  com que se me comprasse uma galinha; porque nas armadas que
         ritórios sob administração portuguesa (a que se juntaram Diu,   fi z, primeiro comiam os soldados os salários do governador, que
         em 1535, e Damão, em 1559) tomaram a designação de Estado   os soldos de seu rei; e não é de espantar; que esteja pobre um pai
         Português da Índia.                                  de tantos fi lhos. Peço-vos, que enquanto durar esta doença me
           Durante dois séculos, os vice-reis (ơ tulo apenas atribuído   ordeneis da fazenda real uma honesta despesa, e pessoa por vós
         a membros da alta nobreza e ofi cialmente exƟ nto em 1774) e   determinada, que com modesta taxa me alimente”.
         governadores deƟ veram a jurisdição sobre todas essas posses-  Como não senƟ r um imenso orgulho e respeito por tão nobre e
         sões portuguesas no Índico, incluindo Moçambique (até 1752),   disƟ nto antepassado e insigne Português? Sem dúvida, uma das
         Macau, Solor e Timor (até 1844) e os enclaves de Nagar-Aveli e   fi guras mais gloriosas da nossa história.
         Dadrá (até 1954).
           Um dos lídimos representantes dessa gesta heróica de Ɵ tulares                       Antó nio Rebelo Duarte
         foi D. João de Castro, decerto um dos maiores vultos, quer pelo                                 VALM REF
         seu curriculum como militar e homem de ciência, quer pela sua   N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co


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