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REVISTA DA ARMADA | 566
         50 ANOS DE UTILIZAÇÃO



         DAS CORVETAS



         UMA EFEMÉRIDE, UMA HOMENAGEM, UM EXEMPLO



          INTRODUÇÃO                                          da classe D´Estienne d´Orves na Marinha Francesa e as corvetas
                                                              MEKO 140, um projeto do estaleiro alemão Blohm+Voss (B+V)
             s navios  construídos  no  Programa das  Corvetas servem a    para a Marinha Argentina, e, como é fácil de demonstrar, servi-
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         OMarinha e o País há 51 anos. O NRP João Coutinho , o primei-  ram e continuam a servir a Marinha de acordo com as especifica-
          ro de uma classe de 10 navios de duas séries, foi aumentado ao   ções de construção.
          efetivo dos navios da Armada em março de 1970, na Base Naval
          de Kiel, República Federal da Alemanha. No entanto, foi a António  O PROCESSO DE DECISÃO
          Enes a primeira a atingir os 50 anos de serviço .
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           Um navio, construído para uma vida útil de 30 anos, com esta   No livro “A Corveta Portuguesa dos anos 70” , o CALM ECN Ro-
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          longevidade, a navegar em  condições de mar  muito adversas   gério d´Oliveira descreve e caracteriza de forma notável o progra-
          como é o caso do Atlântico Norte e em utilização operacional   ma de construção das corvetas, sendo o Preâmbulo do projeto
          permanente, mantendo as condições de projeto e em segurança,   um documento que considero um verdadeiro tratado da arte da
          merece reflexão.                                    engenharia naval, em particular na apresentação do projeto pre-
                                                              liminar de um navio, “que foi de conceção original da Marinha
                                                              Portuguesa” .
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                                                               No início da década de 1960, os navios com capacidade oce-
                                                              ânica estavam na sua maioria obsoletos. Uns, sobreviventes do
                                                              Plano Naval Magalhães Corrêa (década de 30), outros, recebidos
                                                              já muito usados, de países aliados. Com o eclodir da Guerra do
                                                              Ultramar, tornou-se premente a renovação da esquadra, o que
                                                              levou a iniciar-se o programa de substituição dos avisos (navios
                                                              construídos para o serviço nas então colónias), além da constru-
                                                              ção de novos submarinos, fragatas, patrulhas e outros meios de
                                                              ação naval.
                                                               Neste sentido, relativamente à substituição dos avisos, foram
                                                              formulados os requisitos operacionais (RO) e enviados para uma
          Silhueta do navio                                   conceituada firma internacional de projeto de navios, que, fazen-
           Daí a escolha do título: 50 anos de utilização das corvetas: uma   do a respetiva interpretação, apresentou um conceito de navio
          efeméride, uma homenagem, um exemplo.               de maiores dimensões do que o previsto, com um nível de com-
           Uma efeméride, pois um navio navegar 50 anos não é por aca-  plexidade também superior ao desejado e com um custo muito
          so, e aqui estende-se a análise a todas as corvetas. Significa que   acima  do  orçamento  disponível.  Desta  forma,  não  foi  possível
          o conceito e o projeto básico foram bem pensados e as soluções   avançar com o projeto, ficando a aguardar outra solução…
          técnicas  encontradas  as  adequadas,  que  os  navios  foram  bem   De  facto,  a formulação de RO  é  um  elemento fundamental
          construídos e as equipas de fiscalização atentas e profissionais,   para o desenvolvimento de qualquer projeto, pois além de de-
          que houve uma verdadeira escola e um plano de formação cre-  ver permitir aos projetistas uma interpretação clara para que seja
                                                              possível apresentar soluções técnicas adequadas à missão, deter-
          dível, que foram conduzidas e operadas por marinheiros compe-  mina e condiciona o custo de Ciclo de Vida, ou seja, o custo de
          tentes, que o treino, o abastecimento e as políticas de manuten-  sustentação nos 30 ou 35 anos seguintes. A ligação entre utiliza-
          ção, bem como as consequentes decisões e a respetiva execução   dor e projetista tem que ser próxima e em estreita colaboração,
          ao  longo  dos  anos  foi  bem  conseguida.  Em  suma,  funcionou   o que aconteceu neste caso, com o resultado bem à vista. Por
          como uma capacidade.                                outro lado, e apenas como ilustração, ao tempo da 1ª República,
           Uma homenagem ao Contra-almirante Engenheiro Construtor   num processo semelhante que levou à construção dos destroyers
          Naval Rogério Silva d´Oliveira (1921-2021), distinto engenheiro, pro-  da classe Douro (1913), a discussão acabou num duelo  entre os
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          fessor e líder, que tive o privilégio de conhecer, acompanhar em di-  principais intervenientes. Outros tempos…
          versas situações, onde testemunhei o reconhecimento que lhe era   Voltando às corvetas, passados alguns anos da primeira tenta-
          devido na Marinha , no País e no estrangeiro, e que sendo a alma do   tiva, o então CMG ECN Rogério d´Oliveira, já com créditos firma-
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          projeto, esteve na sua génese e preparou com mestria o processo   dos no projeto de navios para a Marinha de Comércio nacional
          de decisão que conduziu à aprovação do Programa, isto sem esque-  e de engenheiro-chefe do programa de construção das fragatas
          cer os homens e mulheres que serviram e servem nas corvetas.  da classe Almirante Pereira da Silva, faz uma abordagem comple-
           Um exemplo, uma vez que se tratou de um programa à frente   tamente diferente à inicial e, um pouco à margem da estrutura,
          do seu tempo, usou conceitos de Ciclo de Vida e de Custo de Ciclo   apresenta o embrião do projeto que levou à construção das cor-
          de Vida, incluindo a previsão de modernizações, conceitos que   vetas, assente em alguns elementos de grande relevância: navios
          ainda hoje, por vezes, não são seguidos. Foi a base de projetos   polivalentes e adequados às missões, conceitos de manutenção
          internacionais também de grande sucesso, como as corvetas da   e de custo unitário e de Ciclo de Vida dentro do orçamento dis-
          classe Descubierta na Marinha Real de Espanha, os avisos A69   ponível, possibilidade de modernização contínua e de “adapta-


          16  SETEMBRO / OUTUBRO 2021
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