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A MARINHA DE D. MANUEL (52)




                   Diogo Lopes de Sequeira
                   Diogo Lopes de Sequeira



               governo de Diogo Lopes de Sequei-  (espião dos mouros) que passou por gran-  pos tão desvairados como ali achavam. Ao
               ra na Índia tem alguns aspectos que  des perigos antes de conseguir vir até Lis-  que todos responderam que eram gerais [os
         O  importa chamar a atenção, e o pri-  boa entregar a sua mensagem ao rei. Pois  ventos] e que não podiam ir por diante...”. É
         meiro deles prende-se com o aparecimento  Mateus regressara com Lopes de Sequeira  um relato interessante que nos revela as con-
         de um novo tipo de navio, que se pressente  à Índia e estava previsto que o seu regresso  dições de navegação no Mar Vermelho, com
         estar próximo do verdadeiro navio de                                       as dificuldades experimentadas pelos
         guerra presente durante as décadas                                         navios de vela. Quando Diogo Lopes
         seguintes. Trata-se do galeão, cujas                                       de Sequeira decidiu voltar para trás
         características não se conhecem em                                         estavam já em pleno mês de Abril,
         pormenor, mas que – em linhas ge-                                          sendo possível entender o que se es-
         rais – sabemos ser mais estreito que a                                     tava a passar, olhando para um rotei-
         nau, mais manobrável, com maior ca-                                        ro do Mar Vermelho e observando o
         pacidade de fogo e destinado exclusi-                                      seu regime de ventos: na sua parte sul
         vamente ao combate. De acordo com                                          (até à latitude de 15º N) existe durante
         algumas representações iconográficas                                        quase todo o ano um vento dos qua-
         (cuja fiabilidade não pode ser garanti-                                     drantes sul ou sueste (com excepção
         da) não tinha castelo de proa (ou era                                      dos meses de Junho a Agosto onde
         muito mais baixo do que o da popa) e                                       podem rodar para Norte e Oeste tem-
         podia fazer fogo para vante com cla-                                       pestuosos) que ajudam à viagem para
         ras vantagens no combate naval. Este                                       Jeddah. Contudo, a partir da latitude
         tipo de navio surge de forma abrupta                                       de 15º N, sendo os ventos predomi-
         nos relatos dos cronistas e os primei-                                     nantes do sector sul, a partir do mês
         ros de que temos notícia estavam a                                         de Maio (nesse ano em Abril) rondam
         construir-se em 1518, respectivamen-                                       para Norte e Noroeste dificultando o
         te, em Cochim e em Panane. Na arma-                                        caminho normal que seguiam os por-
         da que sai de Lisboa em 1519, coman-                                       tugueses. Por isso os navios desespe-
         dada por Jorge de Albuquerque – de                                         raram com ventos contrários, e os pi-
         acordo com o relato de Lopes de Cas-                                       lotos reunidos em conselho avisaram
         tanheda – estava “Dom Luís de Gus-                                         o capitão de que se tratava já dos ven-
         mão um fidalgo castelhano que ia em                                         tos gerais (ou seja de ventos próprios
         um galeão”. Sabemos que este galeão                                        da estação que não iriam mudar) e
         nunca chegou à Índia, mas em 1520                                          que não valia a pena continuar a ten-
         a esquadra que foi ao Mar Vermelho                                         tar navegar para o norte. Se tivessem
         levou dois galeões: um comandado   Governador Diogo Lopes de Sequeira.     chegado um pouco mais cedo talvez
         por António Saldanha e outro por   Livro de Lisuarte de Abreu – 1558.      tivessem conseguido chegar a Jeddah
         D. João de Lima. Digamos que as                                            – onde chegavam todos os navios co-
         operações militares no Índico, a partir de  à Abissínia se fizesse com uma embaixada  merciais do Índico – mas daí para norte o
         1519/20 contaram com um novo tipo de  portuguesa que deveria ser desembarcada  regime de ventos impossibilita o acesso du-
         navio que aumentava consideravelmente o  no Mar Vermelho, no porto de Massuá. O  rante todo o ano, e é essa a explicação lógica
         poder naval português e que se veio a tor-  governador preparou essa viagem para o  para o desenvolvimento desse porto como
         nar famoso ao longo do século XVI.  princípio do ano de 1520 (como já referi)  o terminal da ancestral carreira do Mar Ver-
           Outra questão que julgo ser importante  aproveitando para lançar um ataque a Je-  melho. Daí para norte era muito difícil avan-
         salientar é o facto de só em 1520 se ter con-  ddah, o porto muçulmano que dava acesso  çar com os navios e foi necessário encontrar
         seguido enviar a primeira embaixada ao rei-  a Meca. Partiu de Cochim a 13 de Fevereiro,  outras soluções para a distribuição de mer-
         no de Preste João (Abissínia). O soberano  com 23 navios (entre os quais os dois gale-  cadorias para o Mediterrâneo.
         cristão lendário, que Vasco da Gama que-  ões referidos anteriormente) que passaram   Diogo Lopes de Sequeira voltou para
         ria contactar e que está presente no imagi-  por Goa a princípio de Março e alcançaram  trás, e foi então a Massuá onde Mateus
         nário português desde o século XV, ainda  o Babel Mandeb a 16 do mesmo mês. É in-  desembarcou com uma embaixada portu-
         não tinha sido contactado em 1520, apesar  teressante seguir o relato que nos faz Cas-  guesa chefiada por D. Rodrigo de Lima,
         das afirmações constantes de D. Manuel so-  tanheda desta expedição ao Mar Vermelho,  que se fazia acompanhar do Padre Fran-
         bre a vontade de fazer com ele uma aliança  sobretudo, depois de ter passado o estreito:  cisco Álvares (capelão) a quem se deve a
         contra os mouros de Meca. Parece inexpli-  “prosseguiu sua viagem para Jeddah indo  Verdadeira Informação das Terras do Preste
         cável esta “falha” diplomática levando-me  pelo mar maior, e com muito trabalho de  João..., obra notável que teve uma extraor-
         a pensar que as afirmações políticas do rei  surgir [fundear] muitas vezes e dar vela  dinária aceitação na Europa do século XVI
         português – junto do Papa ou dos outros so-  outras tantas, e andar muito pouco, se pôs  e que relata o que era o reino Abissínio à
         beranos europeus – tinham um carácter de  cento e vinte léguas de Jeddah, e estando ali  data em que lá chegou a primeira embai-
         propaganda sem correspondência em actos  surto [fundeado] com vento contrário, uns  xada portuguesa.
         práticos e objectivos. Já referi (Marinha de  à vista de outros, desesperado de poder ir              Z
         D. Manuel 47) como o embaixador Mateus,  avante chamou a conselho todos os capitães      J. Semedo de Matos
         enviado em 1512, foi tido por um impostor  da frota e perguntou-lhes que faria com tem-           CFR FZ

         16  NOVEMBRO 2004 U REVISTA DA ARMADA
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