Page 229 - Revista da Armada
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Navigare necesse est!
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Navigare necesse est!
Ao longo dos últimos meses, tentámos
despertar os leitores da Revista da Ar-
mada para o património excepcional Arquivo Museu de Marinha
que navegou, ou navega ainda, com a
bandeira de Portugal. Alguns dos velei-
ros históricos a que aludimos, encon-
tram-se actualmente atracados em por-
tos estrangeiros, atraindo, anualmente,
muitos milhares de visitantes que aí se
deslocam, propositadamente, com o
objectivo de contemplar antigos Senho-
res dos Mares, que usufruem agora do
merecido repouso.
Em jeito de balanço final, vamos se-
guir uma ordem cronológica – mais
comummente apelidada de antiguida-
de –, excepção feita em relação àqueles Apesar da fraca definição da imagem, percebe-se que
que ainda hoje dependem da Marinha a figura de proa se encontrava no navio quando este
Portuguesa, a fragata D. Fernando II e foi afundado.
Glória, o Creoula e a Sagres, que abor- Real e deter ainda, passados mais de 130 anos,
daremos na parte final deste artigo. alguns recordes da navegação à vela.
Quanto à Cutty Sark, seguramente um dos
elativamente ao Thermopylae, como vi- mais famosos navios de sempre, navegou com
mos, o mal está feito, ou seja, o navio está bandeira portuguesa durante vinte sete anos
Rno fundo. Uma vez que é conhecida a (1895-1922), período idêntico àquele em que
sua localização (ϕ=38º 40’ 45’’N; L=009º 23’ arvorou a bandeira inglesa (1869-1895). Feliz-
55’’W – Datum Europeu 1950), numa profun- mente não se perdeu e pode actualmente ser ças cedidas, a título de empréstimo, pelo Museu
didade de 30 metros, pensamos que seria de visitada em Londres. Lamentavelmente, verifi- de Marinha. Construído em 1896, voltou a os-
todo o interesse – eventualmente aproveitando camos ser muito limitado o número de pessoas tentar o seu primeiro nome, Rickmer Rickmers,
as excelentes capacidades dos mergulhadores que tem conhecimento da sua passagem pe- logo que consumada a sua cedência à fundação
da Marinha – tentar resgatar a respectiva figura las hábeis e experientes mãos dos marinheiros Windjammer Für Hamburg. Trata-se de um dos
de proa (2), afundada juntamente com o navio, portugueses. poucos sobreviventes da rota dos nitratos e do-
conforme veio provar, em primeira-mão, o ar- O Thomas Stephens foi, durante dezas- brou inúmeras vezes o cabo Horn (4). É o único
tigo do senhor Comandante Conceição Silva seis anos, navio da Marinha Portuguesa veleiro construído num estaleiro germânico, no
(3). Contudo, não se encontra de todo afastada (1896 -1912), tendo navegado com o nome século XIX, que se encontra na Alemanha.
a hipótese de a roda do leme, o sino e outros Pêro de Alenquer. Como vimos, o seu primeiro Apesar de na altura da sua cedência o Santo
objectos poderem ainda jazer a bordo do Pe- «encarregado de pilotagem» foi Gago Couti- André se encontrar muito degradado, pelos con-
dro Nunes. Estamos convictos que estas peças nho, uma referência ímpar em diferentes áreas tornos que conhecemos, e que levaram à sua
depressa se tornariam uma preciosa atracção do conhecimento, da nossa Armada. Apesar de saída para o estrangeiro, afigura-se-nos, presen-
no Museu de Marinha, local onde não existe ter desaparecido, em circunstâncias que muito temente, ter representado mais uma perda do
qualquer referência a este histórico veleiro, ape- provavelmente nunca chegarão a ser conheci- que uma boa solução. Aliás, ao navio-escola Po-
sar de, como vimos, ter sido navio da Marinha das, foi um precioso veleiro da Marinha, nomea- lar, gentilmente oferecido à Marinha Portuguesa
damente como na- pela Windjammer Für Hamburg, num sinal de
vio-escola. agradecimento, são públicas e reconhecidas as
A antiga Sagres suas fracas prestações como veleiro.
pertenceu à Ma- O infante D. Henrique, figura de proa da anti-
rinha Portuguesa ga Sagres, encontra-se presentemente no Museu
durante quase ses- de Marinha. Não obstante, para tal, foi necessá-
senta anos (navio- rio suportar uma derradeira provação. De facto,
escola no período quando o Santo André seguiu para a Alemanha,
Arquivo CTEN António Gonçalves
1924-1962 e na- o infante manteve-se firme no beque (5). Entre-
vio-depósito entre tanto, com o objectivo de angariar fundos para
1962-1983). Des- a recuperação do navio, a efígie de D. Henrique
cansa actualmente foi colocada no cais, em Hamburgo, tendo sido
no porto de Ham- pendurado na carta-portulano (6), que este firme-
burgo, albergan- mente segura na mão direita, um recipiente para
do uma exposição recolher os donativos dos transeuntes. Mas, em
permanente dedi- boa hora este triste episódio foi observado por
cada à sua longa um oficial da nossa Marinha, que alertou para
história, contando o sucedido. Uma vez que o infante D. Henrique
O Santo André, antigo navio-escola Sagres, segue a reboque para Hamburgo (1983). com inúmeras pe- não fazia parte dos planos de recuperação do na-
REVISTA DA ARMADA U JULHO 2005 11