Page 230 - Revista da Armada
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Oferecido à Organização Cor- The Quest of the Schooner Argus, que conheceu
porativa das Pescas, em 1968, aca- edições em vários países, e ainda um excelente
bou por se perder em Dezembro álbum de fotografias, da autoria do próprio Alan
de 1970. Na realidade, enquanto Villiers. No passado mês de Maio, por ocasião
se manteve fundeado no Tejo, sem das comemorações do Dia da Marinha que de-
qualquer vigilância, já depois de ce- correram na Figueira da Foz, foi apresentada a
dido para os efeitos mencionados, magnífica reedição da versão portuguesa (10),
Foto CTEN António Gonçalves
foi-lhe sendo subtraído tudo quan- ilustrada, e que inclui uma excelente introdu-
to tinha valor. Depois disso, numa ção da autoria do Dr. Álvaro Garrido, director
noite de mau tempo, imagine-se, do Museu Marítimo de Ílhavo.
ocorreu um incêndio a bordo, do Pelo que antecede, facilmente se conclui
qual resultou a sua perda. Aliás, que, actualmente, para quase todos os efei-
não fora este trágico acontecimen- tos, o Argus já não existe, é apenas uma me-
to e o seu armador, a Parceria Geral mória nossa.
de Pescarias, poderia orgulhar-se, Embora as nossas palavras denunciem algum
ainda hoje, de subsistirem todos os lamento, alicerçado no facto de uma parte des-
seus veleiros: Gazela Primeiro, Hor- tes veleiros ter rumado a outras paragens, ainda
tense, Creoula e Argus. De resto, a assim, estamos convictos que só desta forma se
frota nacional de veleiros bacalho- tornou possível a sua preservação. Aliás, excep-
eiros chegou a contar com mais de tuando o Creoula, perderam-se todos quantos
cinquenta navios, pertencentes a não conheceram a mesma ventura.
inúmeros armadores, tendo ape- Passada a grande euforia vivida por ocasião
nas sobrevivido aqueles por nós da Expo’98, onde a fragata D. Fernado II e Glória
citados. Como referimos também, ocupou um lugar de destaque, este magnífico
permanece pendente e incerta, há navio, sobejamente elogiado a nível interna-
já vários anos, uma decisão quanto cional nos aspectos que permitiram a elevada
ao futuro do Santa Maria Manuela, qualidade da sua reconstrução, vive hoje amar-
navio-irmão do Creoula. gurado. Para além dos problemas técnicos rela-
Relativamente ao Argus, que ac- tivos à sua conservação, parece-nos óbvio que
tualmente passeia turistas no Mar o mais difícil de compreender, é, sabendo que
das Caraíbas, em nossa opinião, o a cidade de Lisboa dispõe de uma frente ribeiri-
único aspecto lastimável reside no nha superior a 20 quilómetros – entre Pedrouços
O Gazela of Philadelphia com a bandeira de Portugal içada na adri- facto de o seu nome ter sido altera- e a ponte Vasco da Gama –, até à data, não ter
ça do galope da mezena.
do para Polynesia. Queremos com sido ainda encontrado um local onde, depois de
vio, tendo sido colocada no seu lugar uma figura isto dizer que todo o protagonismo que o navio uma existência pródiga em adversidades, a «últi-
do jovem Rickmer, a fundação alemã enviou a ganhou a nível internacional, aquando do em- ma nau da carreira da Índia» possa, finalmente,
carismática figura de proa da antiga Sagres ao barque do Captain Alan Villiers, em 1950, se per- descansar e receber condignamente os seus vi-
Museu de Marinha. deu. Como anteriormente apontámos, nessa al- sitantes. Neste aspecto, estamos certos, não ca-
O Gazela Primeiro, reconstruído em 1900, é o tura foram produzidos diversos documentos que bem à Marinha as maiores responsabilidades.
veleiro em madeira mais antigo do mundo, ain- se tornaram históricos, passando o navio a estar Em todo o caso, e a título estritamente pessoal,
da em actividade. Vendido em 1971 ao Museu envolvido numa aura de grande prestígio. Entre acreditamos que o antigo dique do Arsenal da
Marítimo de Filadélfia, nos Estados Unidos, na- os principais testemunhos difundidos, encontra- Marinha, como em tempos chegou a ser aven-
vega com regularidade. Todo o seu interior, pelo se o documentário sobre a árdua vida dos pes- tado, constituiria um local de eleição.
que nos foi dado a observar, tem sido mantido cadores portugueses da pesca do bacalhau (8) Quanto ao Creoula, este continua a navegar
fiel à época em que empreendia as longas e difí- – recentemente editado em DVD, com muito má graças ao facto de dispor de um orçamento pró-
ceis campanhas de pesca do bacalhau, nos ma- qualidade, pelo Museu Marítimo de Ílhavo –, um prio, atribuído anualmente pelo Ministério da
res gelados da Terra Nova e Gronelândia. Apenas artigo na revista National Geographic (9), o livro Defesa Nacional, apesar de convenientemente
o seu nome foi adaptado ao novo lar, passando a
designar-se Gazela of Philadelphia. Em qualquer
dos casos, e a provar o respeito pela sua história,
é mantida içada a bandeira de Portugal conjun-
tamente com a dos Estados Unidos, imediata- Arquivo CTEN António Gonçalves
mente abaixo e na mesma adriça.
O triste fim do lugre em madeira Hortense,
construído em 1930, e ao qual não nos referi-
mos previamente, retrata bem um dos paradig-
mas da mais genuína lusitanidade (7). Em 1964,
quando deixou de ser rentável como navio de
pesca, a Parceria Geral de Pescarias sofreu pres-
sões no sentido de o ceder ao Estado, para que
nele fosse instalado um museu dedicado à pesca
do bacalhau à linha. O objectivo era colocá-lo
numa doca em Lisboa, onde doravante recebe-
ria a visita das escolas e do público. Mas se a
ideia parecia boa nunca se concretizou, sendo
manifesto que o Estado – como soe dizer-se,
somos todos nós –, nem sempre zela pelos res-
pectivos bens com a desejada consideração. Eis
o episódio em breves linhas. O lugre Hortense.
12 JULHO 2005 U REVISTA DA ARMADA