Page 231 - Revista da Armada
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Foto CTEN António Gonçalves















         Aspecto da assistência à chegada da Sagres a Boston, em 1992.
         mantido e operado pela Marinha. Talvez pelo  ventude. Pela nossa parte, não hesitaremos em  que a Marinha tomou a decisão de preservar
         estatuto de filho enjeitado, parece-nos que tem  confiar o nosso modesto contributo.  o Albacora, encontrando-se prevista a sua co-
         sido pouco aproveitado tanto na divulgação da   Convém não esquecer que a este navio es-  locação, em terra, integrado nas instalações
         imagem da Marinha, como na possibilidade  taremos forçosamente – todos –, eternamente  da futura esquadrilha de submarinos, na BNL.
         de captar jovens para esta nobre profissão que  reconhecidos, pois foi no seu seio, no decorrer  Aos outros dois – Delfim e Barracuda –, tanto
         tem o mar como aliado, num mundo cada vez  das longas e exigentes viagens, que estreitámos  quanto sabemos, antevê-se que possam vir a
         mais competitivo. Até porque, contrariamente  a nossa relação de respeito e entendimento para  encontrar o merecido descanso em Viana do
         ao que sucede com o navio-escola Sagres, visi-  com o insigne mar salgado, que, com o seu sal,  Castelo e Cascais.
         ta regularmente muitos dos portos nacionais e  foi temperando inúmeras gerações de Marinhei-  Pena é que em relação ao Espadarte (1913-
         embarca jovens em idade de eleger um rumo  ros de Portugal. E foi também o navio-escola Sa-  1929), primeiro submersível da Marinha Portu-
         para as suas vidas.                gres que, sempre que a desempenhar tão nobre  guesa, e um dos pioneiros em todo o mundo,
           Do navio-escola Sagres, podemos afirmar  função foi chamado, ajudou, de forma singular,  não tenham, à época, existido vistas mais largas.
         que se trata de um pequeno tesouro escondi-  e por tantos elogiada, a afirmar a imagem de  Actualmente seria uma pérola. Consideramos,
         do. Isto porquanto, na maior parte do tempo,  Portugal no mundo.      no entanto, que ainda nos podemos redimir des-
         se encontra atracado na Base Naval de Lisboa.   Em todo o caso, estamos cientes de que este  te equívoco, atribuindo o seu nome ao primei-
         É um pouco, passe a comparação, como se o  não é o momento de lamentar as vicissitudes e  ro submarino da nova esquadrilha. Por obra do
         Museu do Louvre mantivesse a Mona Lisa ou a  as sentenças do passado, mas de decidir, tendo  acaso, este deverá ser entregue à Marinha em
         Vénus do Milo guardadas na caixa-forte, longe  exclusivamente como horizonte o nosso legado  2010, ano em que se cumpre o centenário da
         dos olhares curiosos dos visitantes.  para as gerações futuras. De outro modo será ine-  encomenda do Espadarte ao estaleiro italiano
           Muito provavelmente, nem sequer os exíguos  vitável, dentro de uma meia dúzia de décadas,  onde foi construído (11).
         recursos financeiros justificarão tudo. De resto,  assomar por aí um Primeiro-tenente, socorrendo-      Z
         numa viagem com a duração de oito meses que  se de uns escritos saudosistas, relembrando-nos   António Manuel Gonçalves
         o navio realizou em 1992, com uma percenta-  da nossa falta de engenho em proteger o nosso         CTEN
         gem de navegação à vela na ordem dos 50%, e  património, que o mesmo é dizer, a nossa iden-  am.sailing@hotmail.com
         onde não foi possível obter energia de terra em  tidade. Ainda assim, é com uma emoção conti-  Notas
                                                                                 (1) Navegar é preciso!
         nenhum dos 21 portos visitados, foram consu-  da que somos levados a imaginar o que seria o   (2) O rei Leónidas, herdado do Thermopylae.
         midos 350.000 litros de gasóleo. Tanto quanto  porto de Lisboa, se nele existisse um local onde   (3) Comandante Conceição Silva, «O «Pedro Nunes»
         gasta uma fragata classe Vasco da Gama numa  pudessem ser visitados, e referimos apenas os   ex-«Thermopylae»», Revista de Marinha, nº 767, Lisboa,
         semana de exercício no mar.        nomes incontornáveis, a fragata D. Fernando, o   Maio de 1988, pp. 34-35.
                                                                                 (4) Aliás, quando foi apresado nos Açores, em 1916,
           Substancialmente distinta de todos os outros  Thermopylae, a Cutty Sark, o Thomas Stephens,   cumpria a viagem de regresso à Alemanha com um carre-
         nossos navios, símbolo maior da Marinha e de  o Rickmer Rickmers, o Gazela Primeiro, o Hor-  gamento de nitratos oriundo de Valparaíso, no Chile.
         Portugal, a Sagres só pode cumprir integralmen-  tense, o Creoula, o Argus e a Sagres. Unicamen-  (5) Trata-se da parte mais saliente da roda de proa, que
         te a sua missão se for permanentemente vista,  te com o objectivo de visitar estes Príncipes dos   serve de apoio ao gurupés. Na sua extremidade é colocada,
         visitada e admirada.               Mares, Portugal – que acreditamos piamente ser   nos casos em que esta existe, a figura de proa do navio.
                                                                                 (6) Termo utilizado para designar a carta náutica, en-
           Confiamos, porém, que dentro em breve este  ainda um País de Marinheiros –, receberia anu-  tre o séculos XIII e XV.
         nosso navio, com 70 anos a celebrar em 2007,  almente muitos milhares de visitantes, oriundos   (7) Na série de artigos intitulada Lugres dos Gelo, Cisnes
         possa ser alvo das reparações que lhe propor-  dos quatro cantos do mundo.  dos Oceanos, apenas abordámos a história dos antigos ba-
         cionem manter-se em excelente forma durante   Não querendo, todavia, deixar subentendida   calhoeiros que ainda hoje navegam. No entanto, a forma
                                                                               como o Hortense se perdeu, e porque perfeitamente exem-
         mais três décadas. A exemplo do que os alemães  uma enganadora preocupação, exclusivamente   plar quanto a uma certa característica a que correntemente
         fizeram com o seu Gorch Fock, vinte anos mais  norteada pelo património veleiro de Portugal,   nos atribuímos, levou-nos, agora, a referi-lo neste artigo.
         novo, grande parte do interior da Sagres deverá  que admitimos possa eventualmente ter ficado   (8) Alan Villiers, The Bankers – The Quest of the Scho-
         ser redesenhado, adequando melhor o espaço  implícita no decorrer dos nossos últimos artigos,   oner Argus, Washington D. C., National Geographic So-
         às actuais exigências da missão e conforto da  subsiste em nós íntima a esperança de ainda ser   ciety, 1951.
                                                                                 (9) Alan Villiers, «I Sailed With Portugal’s Captains Cou-
         guarnição. E quando chegar 2037, ano do seu  possível, no quadro do processo de aquisição   rageous», National Geographic Magazine, vol. 101, nº5,
         centenário, talvez seja tempo de ferrar todo pano  dos novos submarinos, contemplar a manuten-  Washington D. C., Maio de 1952.
         a preceito, para que, num recatado e solarengo  ção de um classe Albacora, como museu.  (10) Alan Villiers, A Campanha do Argus – Uma via-
         cais do Tejo, possa, com a ajuda de alguns mari-  Apraz-nos a este propósito registar a infor-  gem na pesca do bacalhau, introdução de Álvaro Garri-
                                                                               do, Ílhavo, Cavalo de Ferro, 2005.
         nheiros, escrever as suas longas memórias, qual  mação que recentemente nos chegou, e já de-  (11) Ver «O Espadarte», Revista da Armada, números
         avô contando aos netos as peripécias da sua ju-  pois de concluído o presente artigo, indicando   332, 333 e 334 do ano 2000.
                                                                                       REVISTA DA ARMADA U JULHO 2005  13
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