Page 10 - Revista da Armada
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TRIDENTE ATRAVESSA ATLÂNTICO
Em reforço da defesa militar e apoio à política externa
Aviagem cujo presente relato pretende
ilustrar refere-se à primeira travessia do cios, a atividade de bordo teve a normal com- Foto 1SAR FZ Pereirana nossa escuta, onde nem os nossos habituais
Atlântico Norte efetuada por um sub- ponente de manutenção do material, onde os companheiros de viagem, os habitantes das
marino Português, 99 anos após a criação da desafios com que se depararam os técnicos de profundezas, se faziam ouvir. Nos resquícios
Arma Submarina em Portugal. bordo foram claramente superados, alicerça- da passagem da frente, em mais uma exigente
dos no seu conhecimento técnico e experiên- navegação snorkel, foi avistada no periscópio
O facto dos submarinos da classe TRIDEN- cia da plataforma. uma tromba de água, sinal da violência da tem-
TE, com a sua tecnologia e autonomia, terem pestade que acabávamos de passar.
visto aumentado o seu raio de ação, permite ao Quanto à travessia do oceano Atlântico, o
Estado Português exercer a sua influência por caminho até às nossas ilhas dos Açores era O efeito da corrente, o estado de mar altero-
suposta presença mais além. Assim, esta foi a conhecido pela maioria, pelo que o primei- so e os fenómenos meteorológicos observados
oportunidade de comprovar esta mais valia num ro terço da viagem foi tranquilo e em águas faziam surgir diversos comentários no sentido
cenário real. A necessidade de se proceder à conhecidas. de que o Rei Neptuno estaria a testar, mais uma
certificação do sistema deArmas do submarino vez, o marinheiro português, mas agora não
permitiu o convite para participar no exercício À passagem pela ilha das Flores, entrámos eram as Caravelas com a cruz de Cristo, mas os
War 1812 - Fleetex, por parte da US Navy, no para lá do nosso “Bojador”. O conhecimento 33 elementos da guarnição do seu novo Triden-
decorrer das comemorações do Bicentenário das características do meio submarino era li- te, que só passando por esta provação estariam
da Guerra de 1812, que colocou frente a fren- mitado e novidade para todos. O mau tempo aptos para cruzar os seus mares e ser dignos de
te as potências marítimas dos à superfície, com ondulação de 5 a 6 metros, operar a sua arma preferida ao serviço de Por-
Estados Unidos da América e tornava bastante complicada a nossa navega-
Inglaterra. Nesta conjugação ção snorkel e os nossos ouvidos começavam a tugal e dos Portugueses.
de circunstâncias criou-se o ce- ressentir-se.Todos os submarinistas embarcados Como é bem sabido e de
nário ideal para mais uma vez conheciam os efeitos do fecho da válvula de ca-
demonstrar as capacidades da beça, mas o facto de estarmos em território nun- conhecimento de todos, a se-
Marinha Portuguesa, que tem ca antes explorado e a indefinição do que nos guir à tempestade vem a bo-
nos submarinos da classe TRI- esperava pela frente tornavam mais difícil que nança e esta trouxe navega-
DENTE uma arma dissuasora o habitual lidar diariamente com os efeitos da ções snorkel mais calmas. No
de significativo impacto, reco- depressão atmosférica, ainda mais quando nos entanto, o efeito da corrente
nhecida na comunidade naval dias subsequentes não havia previsão de melho- do Golfo continuava a fazer-
internacional. rias, pois o anti-ciclone dos Açores teimava em -se sentir. Apesar deste facto,
não se deslocar para norte de forma a trazer-nos através de um estudo empírico
A viagem começou no dia a tão esperada bonança. Para ajudar, o efeito da do efeito da corrente ao longo
25 de maio de 2012, cerca de corrente de Labrador, associada à corrente do da coluna de água, foi possível
um mês e meio após a saída Golfo, começou a fazer-se sentir, incrementan- cumprir com o planeamento
dos estaleiros de Kiel, onde do dificuldade ao avanço do navio, induzindo definido, mantendo o subma-
durante 8 meses o navio so- uma corrente contra de cerca de 4 nós. Este fac- rino sempre dentro do Moving
freu uma rigorosa e meticulosa to obrigou a um ajustamento do planeamento, Haven, ou seja, dentro da área
intervenção por parte dos estaleiros da HDW baseado num elevado grau de incerteza quanto definida para uma navegação
e de exigente acompanhamento por parte da à altura ideal para realizar as cargas da bateria, em imersão segura.
guarnição, por forma a terminar a fase de ga- às idas para a imersão profunda e consequente A chegada a Norfolk começou bem cedo,
rantia do NRP Tridente. determinação da cota ideal por forma a mini- a cerca de 25 milhas da costa, uma vez que
mizar o efeito da corrente. as características da batimetria da zona obri-
À passagem de entre torres o espírito pre- garam o submarino a fazer a aproximação a
sente era de desafio pelos cerca de 20 dias A passagem de uma tempestade tropical que terra à superfície. A entrada no Hampton Road
de viagem que se avizinhavam. O tempo de se fez sentir aos 50 metros de profundidade, (que junta a foz dos rios James e Elizabeth), fez-
imersão que se aproximava não era variável tendo por base os registos de banda e caimen- -se acompanhar de duas unidades da Guarda
desconhecida para a experiente guarnição do to, normalmente estáveis, do sistema de gestão Costeira que escoltaram o navio até à base na-
NRP Tridente, no entanto, o fator psicológico de dados de navegação, tornava percetível a val, evitando que qualquer curioso se aproxi-
da distância a percorrer e o peso de uma tra- razão de um elevado nível de ruído ambiente masse mais do que o permitido, face à grande
vessia oceânica, era um desafio nunca antes curiosidade que um submarino convencional
enfrentado e, neste ponto, este era o nosso moderno naturalmente suscita.
“Monstrengo” e presente no nosso espírito es- Ao atracar, fomos recebidos pelos militares
tava a vontade de querer “o mar que é teu” 1. portugueses que prestam serviço em unidades
sediadas na Base de Norfolk e pelos militares
O planeamento da viagem contemplou um do USS Montpelier, que serviu como navio de
vasto cardápio de exercícios de adestramento acolhimento, tendo já agendadas diversas ativi-
da guarnição que cobriram todas as áreas fun- dades de confraternização entre submarinistas
cionais de bordo, desde a limitação de avarias, dos dois lados do Atlântico.
operações, manobra de embarque rápido de Os dias atracados servirão para descanso da
armas, manobra da plataforma, navegação e guarnição e preparação da nova etapa desta
comunicações. A organização a bordadas du- missão histórica, que será provar, em cenário
rante os 20 dias de viagem permitiu uma eleva- operacional, o verdadeiro valor da arma sub-
da percentagem de execução do planeamen- marina operada por portugueses.
to de exercícios e um incremento do nível de
adestramento da guarnição para os desafios
que se aproximavam.
Colaboração do COMANDO DO NRP TRIDENTE
Paralelamente ao planeamento de exercí-
Notas
1 in Mensagem, Fernando Pessoa
10 JULHO 2012 • REVISTA DA ARMADA